quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Choque Cultural


Costumo dizer que gostava de ter vivido nos anos 60, gostava mesmo! É claro que, se pensar cuidadosamente, há várias coisas em que se calhar fico (e muito) de pé atrás, mas refiro-me ao ar que se respirava naqueles anos. Muito se evoluiu desde então, ora na ciência, ora na tecnologia, entre outras áreas. Mas fico sempre com a ideia de que falta qualquer coisa, imaterial, que se encontra aparentemente adormecida. Talvez o facto de ter crescido rodeado de consolas e séries juvenis de carácter duvidoso ajudem a formular esta opinião, mas o que é facto é que hoje tudo é diferente, disso não duvido.


Não quero com este pensamento passar-me por alguém arcaico, que recusa a globalização e a evolução do mundo. As coisas hoje são diferentes e tinham necessariamente de o ser. Se a medicina está hoje mais avançada é uma óptima notícia. Se em vez dos vinyls, podemos contar com um leitor de música portátil é espantoso (apesar de conservar religiosamente a colecção do meu pai). Se em vez de uma máquina de escrever, temos um instrumento multifacetado como o computador, que nos permite fazer o mesmo (e muito, muito mais) com melhor eficácia, só temos motivos para nos sentirmos satisfeitos. De facto, a inteligência humana não aparenta ter limites e isso é uma excelente garantia para o futuro.


Contudo, há qualquer coisa que se tem vindo a dissipar ao longo dos anos. Podemos dizer que se trata do reverso da medalha. A evolução e o progresso fizeram-se acompanhar de grandes melhorias na nossa sociedade, mas, ao mesmo tempo, foram deteriorando valores e práticas que deviam, na minha opinião, ser conservados, aproveitados, aliados à evolução. Adolescentes que, há quatro décadas atrás, ouvissem kinks ou Stones, que assistissem a filmes de Marlon Brando ou que vestissem casaco de couro constituíam uma maioria. Os jovens tinham carácter, tanto que deixaram a sua marca naquela geração. Nem sempre pelos melhores motivos, é verdade, mas não eram, ao contrário de hoje, passivos, insuspeitos, apáticos.


Quero com tudo isto dizer que, apesar de ao longo dos últimos quarenta anos quase tudo ter mudado, em muitos casos para melhor, o tal ar de que falava no início deveria ser recuperado e aplicado, não só na sua vertente cultural, mas em todas as vertentes. Aproveitar a ousadia, aproveitar o empreendedorismo, aproveitar a diferença daqueles tempos para as gerações que estão agora a aparecer. E conseguir, com esse aproveitamento, uma sociedade mais rica não só em ciência ou tecnologia, mas também em mentalidades e personalidades.


Nota: Texto incluído no semanário de avaliação contínua, da cadeira opcional não jurídica Pensamento Crítico, da Escola de Direito da Universidade Católica Portuguesa

1 comentário:

  1. posts muito bem escritos.

    www.companhiadasamendoas.blogspot.com

    blog dedicado a parvoíces, humor, cultura e actualidades.

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